quarta-feira, 21 de maio de 2014

A prevenção é um projecto familiar


A prevenção das dependências de todo e qualquer tipo de drogas lícitas, incluindo o álcool, e as ilícitas é um tema transversal na sociedade actual. Qualquer pessoa, independentemente, do seu estatuto social, idade, raça, sexo ou religião está vulnerável em relação ao consumo, ao abuso e à dependência de substâncias psicoactivas do sistema nervoso central.

Apesar da prevenção das dependências ser um tema actual e preocupante, em particular entre pais, famílias, escolas, professores e jovens, e na sociedade em geral, todos nós, profissionais e pais lutamos contra o estigma, a negação e a vergonha associados às drogas reforçado pelo preconceito e o estereótipo. Muitas vezes, refiro-me a este exemplo, quando abordo o tema nas escolas e/ou com os pais, são unânimes em reconhecer a vulnerabilidade das crianças em relação a este problema e a necessidade de programas, mas quando são convidados a «dar a cara», aparentam optar, conscientemente pelo silêncio devido ao tabu, preconceito e estereotipo. Creio que um dos motivos deste afastamento está relacionado com o estigma, a negação e a vergonha sobre as drogas: “Os meus filhos nunca na vida irão tornar-se uns drogados ou uns bêbados.” A maioria de nós, pais e famílias, inconscientemente, justificamos este raciocínio; “Estes problemas dramáticos só acontecem aos outros. Estas tragédias só acontecem às famílias desestruturadas, disfuncionais e sem recursos económicos.” Nos dias de hoje, este tipo de justificação negligente do qual nos socorremos para enterrar a cabeça na areia e considerarmos que a nossa família não é desestruturada ou disfuncional, como as outras afectadas pela dependência, pode revelar-se a médio e a longo prazo, um erro grave, porque na realidade e para sermos verdadeiramente honestos, sentimo-nos impotentes, porque não possuirmos um plano ou uma estratégia concreta sobre esta matéria.

Há vinte anos atrás, no final dos anos 80, início dos anos 90, o jovem que desejasse consumir drogas ilícitas revelava-se uma tarefa difícil obtê-las, hoje em dia, qualquer criança ou adolescente, através da internet, na sua casa e junto aos seus pais, pode ter acesso a qualquer tipo de drogas. A procura supera a oferta de drogas, existem drogas para todo o tipo de preferências e tendências.  No contexto profissional, conheço inúmeros adultos, afirmam, as primeiras experiências com drogas, enquanto crianças e adolescentes, foram com medicamentos dos seus familiares

Alguns dados interessantes
Segundo o relatório das comissões de protecção de menores os processos instaurados em 2013 (30.344) aumentaram comparativamente a 2012 (29.149). Aumentaram também os processos reabertos, num total de 7402 e são o dobro das crianças abandonadas. Apesar de até aqui o escalão com maior representatividade, fosse o dos 0 aos 5 anos, em 2013, o escalão com maior representatividade foi o dos 15 aos 18 anos. A exposição a comportamentos, por parte dos adultos, que podem comprometer o desenvolvimento da criança: a violência domestica (agregado familiar), a negligência familiar, a falta de cuidados de saúde, falta de apoio psicoafectivo, a indiferença, os maus tratos físicos.

Após constatarmos estes factos, encontramos motivos, suficientemente fortes para os pais ponderarem sobre a prevenção das dependências desde o berço da criança, ao invés de ser na pré adolescência, nessa altura, pode ser tarde demais. A prevenção das dependências é um projecto da família.

A prevenção das dependências deve ser um projecto delineado 1. Pais 2. Escola e 3. Sociedade.  
O papel da família é importante na prevenção das dependências desde o nascimento da criança. Antes de a criança nascer, a família é um sistema complexo de personalidades e dinâmicas, individuais e colectiva, refiro-me aos papéis, às regras, às funções e convicções que regem a estrutura familiar no seu todo. A personalidade da família revê-se nos padrões e nas espectativas, nos sentimentos, pensamentos, nas suas crenças e tradições. O nascimento de uma criança vem modificar este sistema. 

 Se um membro da família tem um problema ou doença, esta situação dramática não afecta somente o individuo (doente), pelo contrário, todas as pessoas são afectadas, incluindo as crianças. Refiro-me a todo o tipo de adversidade, desde as doenças, acidentes, crise, desemprego, divórcio, adultos dependentes de drogas e/ou álcool, e/ou desilusões e fracassos oriundos dos projectos individuais, profissionais e económicos dos adultos. Nesse sentido, é durante a fase da socialização que surgem os desafios mais complexos na educação da criança, visto nenhuma família estar a salvo da adversidade. Como adultos sabemos, pelos motivos mais evidentes e dolorosos ao longo do devir, que a vida é difícil. Agora, como é que integramos esta questão existencial no plano de educação do(s) nosso(s) filho(s)? Como é que o(s) preparamos para enfrentar a adversidade?

Uma das respostas, residem no meu entender, com as nossas características individuais e sociais, como pais e indivíduos. Ao longo da vida, geramos aquilo que consideramos merecer e essa atitude também se reflecte na família; se considerarmos que somos indivíduos resilientes na gestão da adversidade e dos sentimentos, se considerarmos que somos indivíduos felizes, se possuirmos um propósito e sentido no rumo da vida, a nossa família, também irá colher estes frutos que a sustentaram nos momentos difíceis, caso contrario, se nos considerarmos indivíduos egocentristas e hedonistas, com baixa auto estima, ressentidos e umas vitimas das pessoas e do mundo, estaremos a minar nossa família. É imprescindível que sejamos honestos connosco próprios, a fim de consigamos monitorizar os efeitos e o impacto do nosso comportamento na família, incluindo das crianças. Se o fizermos estaremos a garantir zelo pela estrutura (sistema) familiar. Sabia que uma parte muito significativa do nosso comportamento, para com a família nuclear (esposa/o e filhos), é herdado dos nossos pais, avós ou outras pessoas significativas? Refiro-me às tradições, aos valores e convicções e à vinculação.  Podemos transportar uma herança familiar dolorosa de abuso ou negligência que poderá afectar a vinculação com os nossos filhos e podemos encontrar dificuldades em desempenhar a tarefa de educar e ao mesmo tempo, ser felizes. A nossa educação parental assenta em modelos que conhecemos e nos são familiares. Quais são as regras que nos ensinam para educar os nossos filhos? Ainda recorremos a um método que se resume a experimentar, através da tentativa e erro, isso significa que não dispomos de informação, assim como, aquela informação que possuímos pode estar errada.
 
Por outro lado, sabemos que para se ser uma família feliz, não é preciso ter tido uma educação fora de serie e/ou um possuir estatuto social elevado, basta assumir um compromisso honesto, devotado ao amor e dar o melhor possível.

Um pai e uma mãe comprometida com a educação e a família na prevenção das dependências:
- Dá o exemplo, exerce disciplina (não é ser amigo/a do filho, ele já tem amigos suficientes, os filhos precisam de um mentor e de um/a coach),
- Negocia e comunica o mais abertamente possível sem tabus,
- Desenvolve a resiliência, ajuda os filhos a fazer a auto-regulação dos seus sentimentos dolorosos em vez de satisfazer as suas vontades e os ímpetos da criança porque se sente culpada/o e não consegue dizer Não,
- Ensina a controlar o comportamentos e reforça valores e tradições saudáveis,
- Reforça a auto conceito e a auto estima, não me refiro ao culto do ego ou da imagem.
- Promove uma vinculação com base no encorajamento, no amparo, na pertença e na aceitação (amor).
 
Já referi esta afirmação várias vezes, na prevenção das dependências é urgente uma revolução no sistema e no paradigma actual, nos políticos, nos líderes, nas instituições, famílias e profissionais que zelem e se comprometam pelo futuro dos nossos filhos, porque o mundo dos adultos não é seguro para algumas crianças vulneráveis. Se conseguirmos educar os nossos filhos, se conseguirmos que eles possuam as competências e o talento necessário a fim de usufruírem uma vida plena, teremos conseguido com sucesso a nossa missão, aquela que considero ser a mais altruísta e abnegada de todas, ser pai ou mãe.

Se não formos nós, pais e família, a abordar o tema da prevenção das dependências e do consumo de drogas lícitas, e/ou ilícitas, outras pessoas, que não amam os nossos filhos como nós próprios, vão faze-lo.


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